As pesquisas eleitorais estavam erradas?
Ajustando expectativas num cenário de incertezas
Todos os anos vemos os mesmos questionamentos sobre a diferença entre as pesquisas de intenção de votos e o resultado após as eleições efetivamente acontecerem.
As pesquisas de fato alinham nossas expectativas em relação ao que vai acontecer no mundo real, mas não podemos ser ingênuos. Achar que essas estimativas refletem, de fato, o mundo real é um erro não das pesquisas, mas uma falha do nosso entendimento do que esses números nos contam.
É preciso ficar muito bem definido que uma pesquisa eleitoral não é uma projeção do futuro, mas um espelho — ainda distorcido — daquele momento específico no tempo.
Toda metodologia é baseado numa amostragem, dividida para representar os diferentes grupos da sociedade. A fonte para essa distribuição populacional é o censo de 2010, já que Bolsonaro suspendeu o censo 2021. Essa estatística desatualizada há mais de 13 anos certamente produz erros de percepção na hora de elaborar os grupos utilizados pelas pesquisas.
Uma pesquisa é tão boa quanto os dados fornecidos para moldar sua metodologia. Se os dados estão desatualizados, é de se esperar que o resultado também esteja.
Existe ainda um outro número que costuma ser ignorado quando lemos as pesquisas: os indecisos. No dia 1 de outubro, o data folha divulgou que 13% ainda não haviam decidido sobre quem votariam para a presidência.
Em toda projeção estatística existe uma ampla incerteza que precisa ser considerada. Essa é a base de qualquer decisão baseada em números. Ao ler pesquisas eleitorais, é preciso olhar para quem declara que vai votar nulo, branco e está indeciso como parte dessa incerteza.
Ainda mais importante, precisamos lembrar que a pesquisa é o mapa, não o território.
Quando decidimos realizar uma viagem de carro e traçamos nossa rota no GPS, sabemos que grande parte desse mapa está certo, mas que podem existir diversos trechos desatualizados e que vão divergir desse mapa.
Uma obra muito recente, por exemplo, não estará visível no mapa. Qualquer acidente natural, como um deslizamento de terra, uma ponte rompida numa tempestade ou bloqueios na pista causado por alagamentos, pode alterar completamente a rota dessa viagem.
Um simples acidente num trajeto diário, de casa ao trabalho, uma estimativa que por repetir milhares de vezes o mesmo caminho carrega um índice de confiança altíssimo, é suficiente para nos fazer entender o nível de incerteza que o mundo real adiciona. Por mais que a estimativa esteja certa, nossa expectativa não se atualiza tão rápido quanto o mundo real.
Todo mundo que já chegou atrasado num compromisso consegue entender que a projeção é afetada por elementos do mundo real.
Um dos erros muito comuns de empreendedores pouco experientes, por exemplo, é realizar pesquisa de interesse utilizando questionários, perguntando se as pessoas comprariam aquele produto pelo valor indicado. Invariavelmente essas pesquisas acabam frustradas.
Todo mundo que já tocou um negócio por muito tempo sabe que alguém dizer que compraria, não significa que, na prática, esse interesse vai se concretizar. É muito diferente dizer que faria algo e, no calor do momento, realmente tomar aquela decisão.
Quando a decisão precisa ser feita, outros critérios assumem um peso muito mais forte. Quando alguém me apresenta algo interessante e digo que compraria, não estou submetido a nenhum efeito psicológico ou cálculo de custo de oportunidade.
No entanto, quando preciso desembolsar esse dinheiro, tenho que considerar tudo o que eu deixaria de comprar se efetuasse aquela compra. Todos sabemos que existem milhares de coisas que compraríamos e que temos interesse, mas que não compramos porque, ao definir uma ordem de prioridade, a compra deixa de fazer sentido.
O mundo real é sempre mais incerto que as projeções.
Trazendo de volta para o cenário político, todos os institutos divulgam suas metodologias e, todas elas, possuem algum nível dificuldade. A Quest, que realiza pesquisas presenciais, por exemplo, encontra bastante dificuldade de entrevistar pessoas morando em condomínios luxuosos em bairros mais ricos de são paulo.
Por outro lado, pesquisas realizadas por telefone podem ter dificuldade em alcançar os mais pobres.
Tudo isso adiciona incertezas ao processo.
O simples dado de que 20,95% dos eleitores não foram votar, já é suficiente para nos mostrar que existe uma boa margem de votos, que obviamente podem ser distribuídos para os dois lados, mas que poderiam trazer outro desfecho para o pleito eleitoral.
Olhando para o lado da campanha petista, o forte clima de já ganhou pode ter motivado eleitores a não efetivar suas intenções de voto.
Além disso, votar representa muitas vezes um custo considerável para a população mais pobre. Enquanto as pessoas em melhor condição financeira podem até assumir viagens de avião para concretizar sua intenção de voto, o simples deslocamento para uma pessoa mais pobre pode ser um impeditivo.
Como sabemos, o candidato petista possui uma projeção muito maior entre os mais pobres.
Não atoa, tentar minar esses votos fez parte da estratégia bolsonarista.
Mesmo com muitas cidades fornecendo transporte gratuito aos colégios eleitorais, essa realidade não é uniforme em todo país, sendo mais comum nas capitais. Ainda assim, em lugares com transporte gratuito, esses eleitores mais pobres normalmente são trabalhadores informais, onde não trabalhar significa deixar de ganhar um dinheiro que fará muita falta.
Somando isso ao clima de já ganhou, é fácil imaginar que existiram famílias inteiras que preferiram deixar de votar para não ter que encarar esse custo e prejuízo.
Tudo isso é parte da flutuação do mundo real, e é imprevisível até que a eleição seja concretizada.
Não é que as pesquisas não acertam, é que a nossa expectativa da validade desses números é muito distorcida. As pesquisas mostram tendências, mas quando as pessoas de fato precisam sair de suas casas e votar, muitos outros fatores entram em ação.
E até mesmo os que falam que as estimativas estavam erradas em relação aos deputados e senadores, essa percepção vem de uma pobre observação do cenário político que já estava descrito.
Este comentário do Orlando Calheiros é de 27 de setembro, 5 dias antes das eleições.
O que assusta nos comentários da esquerda é a reprodução da mesma lógica que o bolsonarismo tentou aplicar para descredibilizar as pesquisas durante toda campanha eleitoral.
É sintomático que tanto os bolsonaristas, quanto os eleitores da esquerda, sintam-se frustrados com os resultados. Ambos projetavam um resultado muito maior, cada um para o seu lado, nas eleições presidenciais.
O que entendemos de tudo isso é que deixamos nossa projeção da experiência nas redes sociais contaminar a expectativa que depositamos nas pesquisas. Tanto eleitores do Bolsonaro, quanto as pessoas de esquerdas, acabam afundadas numa câmara de eco, reforçando crenças de grupo que os impede de enxergar com clareza o cenário mais amplo.
Mas esse não é o momento de desanimar.
As pesquisas podem não representar a realidade fiel, mas nos apontam uma direção onde é possível trabalhar e crescer. Mais ainda, devemos lembrar que não dá para entrar com esse clima de já ganhou.
Cada voto conta até o último segundo.
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