Como não planejar uma vida de sucesso

Você não precisa saber aonde quer chegar

Startup da Real

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Uma das frases mais comuns do modelo de vida moderno é dizer que você precisa saber aonde quer chegar.

Não importa se é o pastor da sua igreja, seu personal trainer ou seu vendedor de sonhos preferido. Essa frase é repetida milhões de vezes nos mais diferentes meios, mas quase sempre para vender uma ideia mais profunda sem que você perceba.

Mas a vida é muito mais complicada que uma simples estrada onde você define uma localização utilizando seu GPS, existe muito mais na complexidade do mundo real do que nossa mera projeção mental nos permite abstrair.

Como vender um modelo de vida

Se existe algo que o Marketing faz bem é testar na prática modelos e princípios da psicologia moderna. Mais do que os próprios laboratórios de pesquisa em universidades de psicologia, profissionais de marketing testam diariamente hipóteses com uma grande amostragem, sabendo exatamente o que funciona e como aplicar.

Por mais que não seja um método inteiramente científico, qualquer profissional que trabalha com campanhas online sabe — mesmo que intuitivamente — quais palavras e padrões devem repetir para aumentar o engajamento e conquistar novos clientes.

Uma dessas ferramentas extremamente difundidas entre marketing e vendas são os famosos gatilhos mentais, uma forma de estimular impulsos subconscientes do comportamento humano.

Gatilhos são usados o tempo todo no marketing e nas vendas, e a maioria de nós até sabe reconhecê-los, mas ainda assim caímos no truque por considerar inconscientemente que, apesar do truque, seremos beneficiados.

É com base nisso que desde o começo da publicidade e marketing organizados encontramos práticas muito parecidas sendo reproduzidas. São técnicas que transmitem autoridade, escassez, urgência e outras formas de brincar com nosso subconsciente sem que estes artifícios sejam realmente verdadeiros ou façam alguma diferença.

É por causa do gatilho de autoridade que você sabe que a Colgate é a marca número um em recomendação dos dentistas e que 9 a cada 10 dentistas recomendam Oral-B. Mesmo que não exista comprovação alguma dessas afirmações e dentistas normalmente prefiram Curaprox para escovar seus dentes.

É por causa dos gatilhos de Prova Social, que você entra em sites de empresas e encontra testemunho dos clientes, que review na Amazon é muito importante para os autores e a Anitta é paga pela Samsung para usar o novo smartphone, mesmo usando um iPhone escondido.

Grande parte dos argumentos de vendas se baseiam nestes princípios e quando falamos de vender sonhos ou ideologias, os argumentos não são diferentes:

Autoridade tenho 20 anos de mercado; Prova SocialFulano, que inclusive é um grande amigo meu, concorda comigo quando digo isso; Antecipação — pense agora na vida ideal que você quer levar, sua esposa, seus filhos, a casa onde quer morar; e a Relação Dor x Prazer — você vai mesmo comprar um carro sem ar condicionado para andar no Rio de Janeiro fazendo 42 graus no verão?

São elementos presentes em todo discurso para convencer alguém de que um modelo é melhor e deve ser adotado, e tudo isso vem carregado na simples afirmação: você precisa saber onde quer chegar.

Imagine a vida ideal que deseja para seu futuro

Todos possuem um ideal de vida, um ponto confortável que seria interessante alcançar e, deste ponto, as preocupações seriam bem reduzidas.

Onde você quer estar com seus 45 anos?

Você não acha que seria legal ter uma SUV branca com banco de couro bege, um apartamento no Itaim Bibi, daqueles com vista para a piscina onde você pode ficar vendo seus filhos pela sacada enquanto brincam. É interessante poder fazer viagens internacionais com sua família e, é claro, ter um cachorro pequeno daqueles que ficam no colo e parecem que vão morrer do coração quando começam a latir.

Mas estes sonhos são caros. Tudo isso aí não vai sair de graça. Imagine quanto não custa uma SUV equipada? Um apartamento num dos lugares mais caros do país também não é barato. Da escola do seus filhos ao pet shop do cachorro, tudo isso custa muito dinheiro.

Agora imagine uma profissão ideal, numa carreira impecável. Você é formado numa grande universidade, foi promovido rapidamente até chegar no topo da hierarquia corporativa. Mesmo nessa realidade, o salário não é compatível com o estilo de vida dos seus sonhos. Com essa vida de empregado, carteira assinada e salário mensal, mesmo com uma trajetória exemplar, você não vai chegar perto desse sonho.

Agora pense que você está mais longe ainda dessa carreira ideal e de ter um salário capaz de construir este cenário que você tanto sonha. Com essa vida de CLT, décimo terceiro e FGTS você não vai conquistar tudo isso.

Com tudo isso na mesa, qual o único jeito de transformar este sonho em realidade?

Empreendendo.

Só existem duas realidades: empreender ou emprego convencional, e você precisa escolher uma delas.

A anatomia de um discurso de vendas

Todo esse discurso acima parece fazer bastante sentido quando acompanhamos nessa linha cronológica, mas o que não estamos vendo nele?

Comecei este texto explicando gatilhos mentais, mecanismos que são utilizados para fortalecer argumentos de vendas e aumentar o controle sobre os resultados de uma venda. Este conhecimento é importante para analisar um discurso e entender exatamente o ponto onde estamos sendo enganados.

O discurso acima normalmente é precedido por dois gatilhos que são os atrativos iniciais que fazem você parar e ouvir o que está sendo dito: Autoridade eu sou muito rico e fiz isso na minha vida, logo você tem que acreditar em mim, e Prova Social essas pessoas que vocês admiram tanto estão concordando comigo.

Com sua atenção conquistada, agora é preciso trabalhar sua imaginação e ativar o gatilho de Antecipação, fazendo você visualizar tudo o que deseja, transportando você da forma mais convincente possível para o cenário idealizado. Mais ainda, o cenário pode nunca ter existido na sua imaginação, mas utilizando perguntas carregadas é fácil plantar uma ideia que você acredita ser sua.

Você não acha que seria legal ter uma SUV branca com banco de couro bege?

A ideia nem mesmo precisa parecer com sua personalidade. Mesmo que uma SUV branca com banco de couro bege não seja o carro que você sonha, sua imaginação vai tratar de adaptar o que estou dizendo para sua expectativa. Eu vou falar SUV branca, mas você vai pensar "SUV não, mas um Mini conversível vermelho com couro branco seria muito legal".

Com o sonho que eu construí para você, o gatilho de Antecipação já foi acionado. Você agora já acredita que essa é a realidade que deseja para o futuro.

Mas nem tudo são flores e não basta transportar você para essa realidade e oferecer meu modelo. Eu preciso que você sinta na pele que não vai poder realizar seu sonho se não seguir o que estou dizendo. Você precisa sentir a dor de fracassar. Eu preciso tocar nas suas emoções.

Aqui eu aperto outro gatilho, a Relação Dor x Prazer. Faço você entender com a mais simples realidade o quanto está distante do seu sonho, e que nem no melhor dos cenários você vai conseguir chegar onde quer.

Com todos estes gatilhos armados, fica fácil apresentar minha solução. No cenário que você quer viver é praticamente impossível chegar com um trabalho convencional, logo — non sequitur — você precisa empreender.

O falso dilema é a cereja do bolo para convencer que só existem os dois cenários a serem seguidos: em um deles você não vai viver como sonha, no outro tudo é possível.

Construindo a história com uma narrativa que torna empreender a única forma de alcançar a vida sonhada, o vendedor esconde duas informações importantes e que não é interessante para ele que você tome conhecimento.

A primeira é que empreender na maioria do caso não te faz mais rico. Infelizmente empreender não vai te deixar, estatisticamente, mais perto do seu sonho.

Por que achamos que empresários ganham bem?

No Brasil, segundo a Global Entrepreneurship Monitor, 71% dos empresários declaram uma renda familiar de até três salários mínimos, um total de R$2.811. Mais ainda, apenas 1,63% declaram uma renda familiar maior que 9 salários mínimos, acima de R$8.433 por mês.

A primeira reação aos dados acima é afirmar:

é claro que declaram só isso, se declararem uma renda muito mais alta vão pagar mais impostos.

Primeiro acho perigoso afirmar que praticamente todos os empresários estão sonegando impostos, segundo que, ao observar o faturamento — não a renda — estes dados conversam muito bem.

Segundo o Sebrae, 45,7% dos empresários afirmam que seu negócio fatura até mil reais por mês e 30% dos negócios ainda não faturavam nem um real no momento da pesquisa.

Existe essa fantasia de que ter empresa e ser empresário significa entrar num oceano azul de dinheiro fácil onde, por mais difícil que seja a jornada, o resultado será muito melhor que uma vida com CLT e salário no fim do mês.

Mas isso não é verdade.

A maioria dos empresários pequenos e médios que você vê andando de roupa cara e carro novo estão fazendo isso com base em empréstimos, misturando recursos da empresa para atingir vantagens pessoais. É muito fácil justificar que investindo em você, você também está investindo na empresa, mesmo quando você só quer um iPhone novo ou um carro importado.

Eles têm 50, 100, 200 mil reais na conta, mas isso normalmente é apenas um empréstimo que conseguiram para alavancar o empreendimento. Receita e lucro de verdade, muitas vezes não existe.

O mesmo erro acontece quando falamos de startups que recebem investimento. Um empreendedor que recebeu 5 milhões de dólares de um fundo para alavancar seu negócio não ficou milionário com sua ideia. Ele agora até pode ter um bom salário para se manter, mas ainda está operando no negativo.

Dinheiro de investimento não é resultado financeiro. O empreendedor não fica milionário ao receber um investimento.

Mas como estamos acostumados a ver estes fenômenos acontecendo, jovens recebendo milhões em investimentos e pequenos empresários comprando a Hilux do ano, começamos a pensar que empreender dá muito dinheiro, mas não dá.

Na prática, se a gente plotasse um gráfico relacionando renda com a quantidade de empreendedores, o resultado seria algo mais ou menos assim: uma fatia muito pequena ganha uma grande quantidade de dinheiro, todo resto ganha muito pouco, quase nada ou nada.

Aqui é preciso ficar alerta:

Um dos truques básicos para se convencer alguém de algo que na realidade funciona como uma cauda de extremos é mais interessante, é apresentando apenas a média das informações. A média, como já falei em outro texto, é uma informação que esconde perigos. A média não significa que maioria das pessoas estão nessa posição.

A média de renda dos empreendedores não significa que a maioria recebe essa quantia. Uma pequena parcela que recebe entre 50 a 98% a mais do que todo o resto eleva a média para cima, mesmo quando uma grande parte não fatura nada.

Lembre-se, se a profundidade média de um rio for de 1 metro, é melhor você não tentar atravessá-lo.

A vida real é confusa e <quase> imprevisível

O segundo ponto que o argumento não aborda é que a vida nunca é linear como soa quando contamos histórias.

Praticamente ninguém que tem um carro de 150 mil reais comprou esse bem à vista com o primeiro salário como diretor de multinacional. Ninguém mora num apartamento caríssimo como primeira escolha de moradia. Esses patrimônios são construídos aos poucos, ao longo de décadas e, normalmente, alavancando patrimônios antigos.

Alguém que acabou de comprar uma Land Rover nova, provavelmente teve um Gol Bola, que virou um Vectra usado e depois deu de entrada num Toyota Corolla zero. Esse Corolla novo serviu, depois de uns dois anos, de entrada para a Land Rover que será paga em mais cinco anos.

As coisas não acontecem e não serão pagas à vista com o salário imediato. Mesmo que seja um salário de 25 mil reais mensais. Tudo isso são construções que fazemos ao longo da vida contando com a ajuda de muitas pessoas, incluindo nosso par romântico. Sem falar que existe, na maioria dos casos, muito apoio financeiro familiar.

Isso tudo, é claro, considerando que você precisa de todas essas coisas. E isso também não é verdade.

As pessoas e oportunidades que surgem nas nossas vidas, nossos interesses, vontades e aspirações mudam bastante com o passar dos anos. Às vezes você sempre sonhou em morar no Jardins, mas o lugar onde trabalha é longe demais para valer a pena. Sua vontade era ter um Land Rover, mas saiu um novo modelo sedan e mais barato que te conquistou.

Mais ainda, você não conseguiu comprar nada exatamente como sonhou, mas o que tem é bom o suficiente para que sua vida siga tranquilamente. Não alcançar esses sonhos idealistas não significa que você será menos feliz, pelo contrário, alcançar todos estes sonhos normalmente não te deixará mais feliz.

Mesmo que tudo tivesse acontecido como planejado, você acordaria depois de alguns meses tentando entender o que ainda falta.

Todas essas coisas não representam uma relação linear de felicidade. Você não é duas vezes mais feliz se comprar um carro duas vezes mais caro. O mesmo é verdadeiro para o dinheiro que ganhamos. De uma quantia em diante, nossa percepção de bem estar subjetivoo nome científico para felicidade — não se altera tanto.

No fim, você consegue avaliar por comparação que sua vida está melhor, mas você não se sente mais feliz.

Daniel Kahneman, vencedor do nobel de economia, autor de Rápido e Devagar

E não posso deixar de reforçar que não construímos nossas vidas com base apenas em nossa renda mensal, mas com o acumulo da nossa composição de renda familiar. Considerar que numa casa apenas uma pessoa trabalha é completamente fora da realidade moderna.

No final, cada camada da nossa vida é tão mais complicada do que reduzir nossos objetivos pelo carro, casa e como serão nossas férias de fim de ano, que soa risível depositar nossa felicidade nesses itens.

E você pode estar pensando: eu seria bem mais feliz se fosse rico, você está viajando. Não é exatamente o que as pesquisas indicam.

Um estudo comparando nível de felicidade de vítimas de acidentes que ficaram paralisadas e vencedores da loteria nos traz um resultado interessante. Vencedores de loteria não reportaram aumento na felicidade. O fácil acesso, na verdade, removeu os prazeres das pequenas coisas mundanas.

Já as vítimas de acidentes paralisadas demonstraram sofrer de forte nostalgia em relação ao seu passado anterior ao acidente, o que fazia reduzir os nível de felicidade. No entanto, quando a nostalgia conseguia ser superada, essas pessoas eram capazes retomar a felicidade.

Mas como estamos falando de um argumento de vendas, basta lembrar que o objetivo é criar uma necessidade para vender uma solução. Para quem vende sucesso, estilo de vida milionário e uma vida baseada no consumo, basta convencer de que seus sonhos estão sustentados por ganhos materiais e te fornecer uma suposta forma mais fácil de alcançá-los.

Não existe GPS para a vida

A afirmação de que precisamos saber para onde vamos segue com a conclusão de que é preciso traçar uma destino para que a gente seja capaz de seguir. Este planejamento funcionaria como um GPS para nossas vidas, uma direção onde queremos chegar.

Por mais interessante que essa metáfora possa parecer, ela carrega um erro comum, não saber diferenciar o mapa — ou GPS— do território a ser percorrido.

O problema mapa-território é bastante abordado como analogia para descrever a diferença entre um objeto e a representação deste objeto, muitas vezes, a diferença da teoria sobre um assunto e a aplicação prática do conhecimento.

Mapas são uma representação superficial da realidade. Quando eu abro o Google Maps no meu celular e digo que vou dirigir de Chapecó para Florianópolis, o que o aparelho me apresenta é uma representação simplificada do que existe no caminho. O território é muito mais complicado e confuso do que a representação oferecida pelo software.

Pior ainda, mapas se tornam desatualizados com muita facilidade. É possível que uma estrada esteja em obra, mas só vou descobrir quando estiver dirigindo pelo caminho. É possível que no momento em que saí de casa, a principal ponte de acesso ao meu destino esteja interditada e eu jamais consiga chegar no meu objetivo.

Se numa relação extremamente simples entre uma estrada e um GPS a realidade já se diferencia bastante da representação, quando falamos da complexidade da vida com todas as variáveis que possui, traçar um plano é ainda mais difícil.

Por uma óbvia limitação, não temos como saber o que não sabemos. Em questão de algumas semanas podemos mudar completamente a direção do que achamos interessante. Só fui descobrir as reais opções que tinha para minha vida perto dos 30 anos. Quando decidi minha formação aos 18, não fazia ideia das outras opções que poderia encontrar no caminho.

Quanto maior a confiança no que acha que sabe, maiores as chances de estar errado

O que faço hoje para viver não tem nenhuma relação com o plano que fiz ao terminar meu ensino médio, porque naquele momento nem existiam traços dessa opção.

O território da vida reage com muita intensidade a pequenas mudanças. Exposição ao desconhecido exerce uma influência muito grande no que vamos fazer dali em diante. Novas pessoas, conhecimentos, paixões e informações podem transformar completamente todo o nosso plano da vida, e fixar um destino de forma imutável na maioria das vezes é garantir que terminaremos num lugar onde parecia interessante no começo, mas agora nem achamos tão bacana assim.

Tente não vencer na vida

Numa sociedade construída em cima da ideia de grandes heróis e personagens vencedores, ouvir que não devemos tentar vencer na vida pode soar absurdo.

É como assumir um atestado de pouca ambição, conformista e, é claro, perdedor. Mas como tem sido o ritmo deste texto, volto a afirmar, o mundo é bem mais complicado do que isso.

Existe uma ideia interessante popularizada pelo filosofo religioso James P. Carse, que nos expõe uma nova forma de enxergar o mundo. Em seu livro, Jogos Finitos e Infinitos, Carse descreve duas formas de jogar o "jogo da vida".

Para o autor, jogos que possuem vencedores são jogos finitos, eles chegam ao fim. Um torneio de tênis pode ter um vencedor, existe um momento onde a competição chega ao fim e o vencedor é definido. Um Jogo Finito obrigatoriamente tem um — seja time ou dupla — vencedor, e todos os outros jogadores serão automaticamente considerados perdedores.

O único propósito de jogar um Jogo Finito é vencer.

Carse nos traz uma forma diferente de enxergar jogos, o que chama de Jogos Infinitos. Diferente do modelo anterior, jogos infinitos não possuem vencedores nem perdedores, o foco não é vencer. O único objetivo de um jogo infinito é continuar jogando o jogo.

Como uma alegoria, podemos encarar a vida dentro de um dos dois modelos de jogos. Podemos buscar chegar ao fim ou podemos continuar jogando com o objetivo de seguir com o jogo.

O problema é que Jogos Finitos são autolimitantes. Só existe um resultado possível. Ou você chega ao topo ou você é um perdedor. Não importa muito como foi sua trajetória, todas as contribuições que deu para o mundo ou todos os detalhes que compõe uma longa vida. Se você não está no topo, você perdeu o jogo. :)

Jogos Infinitos, no entanto, focam mais na trajetória do que diretamente no resultado. Como o objetivo é seguir jogando, todas as contribuições e detalhes são importantes. Fazer sua filha sorrir, abraçar seu marido, andar de mãos dadas no parque, aprender um novo idioma, tudo isso são pequenas conquistas que apenas somam ao objetivo, mas que para os Jogos Finitos deixam de importar.

Quantos grandes executivos e CEOs bilionários não são conhecidos por negligenciarem a família, amigos e vida pessoal em busca de criar um império. Eliminam a importância de todo o resto na busca para vencer o Jogo Finito que traçaram para a vida.

Mas para um Jogo Infinito, não importa se você não é doutorado em letras-mandarim. Conseguir se comunicar, transmitir uma mensagem e seguir aprendendo é gratificante o bastante para o jogo seguir em frente.

É por jogar a vida como Jogos Finitos que na maioria das vezes desistimos de atividades que gostamos muito. Começamos a tocar guitarra e temos certo prazer nisso, mas no momento que entendemos que dificilmente seremos o próximo Joe Satriani, nosso prazer desaparece. Anos depois o mesmo acontece com o judô, o ballet e a natação.

A vida de qualquer adulto é repleta de esqueletos como estes, atividades que abandonamos ali, nos vinte e poucos anos, porque precisávamos focar no jogo que podemos vencer. Com a mentalidade dos jogos finitos, não existe razão para seguir com essas outras atividades. O prazer que ela nos proporciona não tem tanta importância, se não posso ser o melhor, não vale a pena seguir com o jogo.

Na direção oposta, enxergar a vida como um Jogo Infinito abre espaço para um mar de possibilidades. Não importa se você é o melhor, apenas o que consegue extrair de positivo de cada um desses momentos. Você não é bom com a guitarra, mas chega em casa, enche uma taça de vinho e toca as mesmas 5 músicas que sabe e isso te dá prazer? Não existe problema algum.

Você pode seguir fazendo tudo o que te faz bem, porque é isso que vai te manter feliz jogando ao longo desse jogo todo.

No mesmo ritmo, Jogos Finitos nos aprisionam com o medo de abandonar atividades que não gostamos mais. Um jovem empreendedor que construiu uma empresa famosa, fica aprisionado neste modelo, porque abandonar este cenário e voltar a ser funcionário significaria uma grande derrota.

Mas para o Jogo Infinito, essa renuncia não representa problema nenhum. Outros elementos que serão agregados com essa mudança valerão ainda mais a pena. Tornarão o jogo infinito melhor de ser jogado.

Jogos Infinitos permitem nos aventurar por inúmeros Jogos Finitos ao longo da vida, mas Jogos Finitos só podem contemplar a si mesmos.

Agora pense um pouco, que distorção da realidade é necessária para que consideremos uma pessoa muita rica, mas sem tempo para família e amigos, amargurado, com problemas de depressão e estresse alguém que venceu na vida, mas uma mãe solteira de bairro pobre que criou um filho longe das drogas e agora ele está se formando em direito, uma perdedora?

Definindo a vida pela Via Negativa

Criar planos rígidos para a vida como um GPS do destino não faz sentido. Tentar ganhar o jogo da vida também não parece uma boa ideia. Devemos então navegar pelo mundo sem rumo, vivendo onde a sorte nos levar?

O que então devemos fazer para definir uma direção para o futuro?

Existe uma ideia que extraí do Antifrágil, de Nassim Nicholas Taleb mas que vem bem de antes dele — e faz muito sentido quando pensamos no que fazer da vida.

A Via Negativa, também conhecida como Teologia Apofática, é uma forma teológica utilizada para explicar deus pelo que ele não é, ao invés de descrevê-lo por características e afirmações. O apofático aborda as coisas através do que não pode ser dito diretamente. Do grego, Apophasis significa "dizendo não" ou "mencionar sem mencionar"

Quando precisamos encontrar explicações para ideias muito complexas e que não sabemos por onde começar, é mais fácil inverter a lógica e buscar o conhecimento através da subtração, removendo tudo o que não é aquilo que está buscando. O que sobrar certamente está mais perto do ideal.

A "busca pela felicidade" não é a mesma coisa que "evitar a infelicidade". Cada um de nós sabe não apenas o que nos faz infelizes, mas o que fazer com isso.

Nassim Nicholas Taleb

Trazendo a ideia do conhecimento subtrativo para definir o que queremos da vida, fica fácil entender as aplicações da Via Negativa: é mais fácil saber o que não queremos para nossas vidas do que definir exatamente o que desejamos para o futuro.

Quando estamos saindo do Ensino Médio, dificilmente sabemos com certeza se queremos fazer Medicina pelo dinheiro, Filosofia pela vontade de saber mais sobre o mundo ou Engenharia da Computação porque achamos incrível o trabalho com tecnologia.

É mais fácil, no entanto, definir que jamais tentaríamos Jornalismo, História ou Matemática, deixando todas as outras opções como prováveis. Desse jeito, não existe uma obrigação de agarrar a Medicina até o fim, porque é o único caminho aceitável. A qualquer momento que uma opção não for mais desejável, existem tantas outras disponíveis. O objetivo é seguir jogando o jogo da vida.

Quantas pessoas você conhece que terminaram um curso superior "só por terminar", depois de terem perdido totalmente o interesse. Logo em seguida começaram outro curso que era o que realmente estavam com vontade de fazer.

Agir pela remoção é trabalhar com opções sem limitar a trajetória simplesmente porque ela foi criada. Evitar o que sabe que não quer permite explorar possibilidades sem medo de abandoná-las no futuro, mudar de direção e experimentar alternativas que antes nem sabia que eram possíveis. A Via Negativa nos dá liberdade de aproveitar oportunidades boas quando surgirem sem ficar cego por um planejamento engessado.

É se desprender de rótulos e obrigações que criamos para nós mesmos, sem medo de soar fracassado, desistente ou alguém que não sabe o que quer da vida. Porque fracassar seria apenas fazer algo que sabe que não quer.

É claro que existe um enorme privilégio em poder agir assim, muita gente não tem opção do que escolher, só existe uma oportunidade que precisa abraçar. No entanto, quando existe a chance de trabalhar com opções, é mais interessante optar pela forma que deixa mais opções em aberto, do que afunilar tudo para uma direção que te impede de olhar para outras possibilidades.

A base de qualquer planejamento é saber ignorar tudo o que não dialogar com a agenda principal. É fugir de distrações e outras oportunidades. Pela Via Negativa o processo é de exclusão e testes. Testar uma hipótese que parece positiva, modificar se não der certo, e testar a hipótese seguinte.

O mais importante de tudo isso é não ter apego por nenhuma possibilidade específica, aproveitando o que é positivo, eliminando o que não interessa mais.

No fim, ainda citando Taleb, a única métrica para ser bem sucedido é não ter vergonha do que faz para viver.

Atenção:

Este texto e vários outros inéditos fazem parte do Este livro não vai te deixar rico, que está sendo relançado pela Editora Planeta.

O livro está em pré-venda na edição revisada e ampliada, para saber mais detalhes, só clicar aqui.

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