Desenvolvendo disciplina: o que significa e como fazer

Um texto longo e muito pessoal sobre hábitos

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17 min readJan 27, 2022

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A ideia de disciplina é uma incógnita na cabeça da maioria das pessoas.

Mesmo que muita gente reconheça ser uma característica importante para o desenvolvimento da vida, boa parte das pessoas acredita que disciplina é uma capacidade natural, um traço comportamental que algumas pessoas já nascem premiadas.

Mas eu acredito que disciplina é uma habilidade que pode ser desenvolvida. Em maior ou menor grau, todos podem trabalhar para se tornar um pouco mais disciplinados.

Mas antes de falar sobre esse desenvolvimento, precisamos cobrir alguns pontos.

Resistir aos impulsos não é fácil.

É importante e pode trazer inúmeros benefícios, mas não é fácil.

Todo texto sobre essa temática que soltei até hoje é feito para que as pessoas consigam visualizar melhor os processos que existem por trás de nossas decisões, mas nunca expressando a ideia de que é fácil.

É por isso que no texto sobre impulsos e liberdade, tentei demonstrar que muitas vezes agimos por impulso até mesmo contra coisas que realmente queremos.

Nada que é capaz de nos mover contra o algo que queremos muito pode ser considerado fácil de lidar.

Existe gente que chora de tristeza ao comer um pedaço de chocolate, simplesmente porque não foi capaz de resistir. Existem casos de comportamento compulsivo que são muito sérios e podem se beneficiar bastante de acompanhamento profissional.

Por isso, é importante que você não se sinta mal por não conseguir estudar todo dia, porque não conseguiu segurar os gastos do cartão de crédito ou manter a frequência que gostaria na academia.

Entenda todas as suas tentativas como um longo exercício de aprendizado, que aos poucos podem te ajudar a criar mais disciplina em algumas áreas de interesse.

E existem dois outros pontos importantes também:

O primeiro é que disciplina pode ser, mas nem sempre é, um comportamento transferível.

Alguém com muita facilidade de estudar, pode ter dificuldades em acordar cedo, por exemplo.

O segundo é que você nunca pode assumir o novo comportamento como garantido.

Disciplina é um exercício diário, que da mesma forma que construímos aos poucos, podemos também ir perdendo a capacidade de resistir aos impulsos.

Alguém que estuda todos os dias pode, por qualquer uma das variáveis que vamos falar mais adiante, não conseguir estudar por alguns dias e acabar perdendo o controle que tinha antes.

O processo de retomar a disciplina é em si uma nova batalha muito difícil.

Mas antes, o que é essa tal disciplina?

O melhor lugar que vi esse assunto sendo abordado é no livro do psicanalista M. Scott Peck, Road Less Travelled, que mesmo trazendo uma bagagem cristã muito forte para seus textos, aborda alguns pontos de uma forma muito interessante e que podemos extrair alguns aprendizados.

O autor descreve disciplina como um conjunto de técnicas de sofrimento, ou melhor, meios de viver a experiência da dor de forma construtiva.

Essas técnicas são: Atrasar a recompensa, aceitação da responsabilidade, dedicação à verdade e equilíbrio.

Segundo Peck, atrasar recompensa é o processo de agendar a dor e o prazer na vida de uma forma que você consiga aumentar o prazer da recompensa por antes de tudo enfrentar, vivenciar e atravessar uma dor.

A aceitação da responsabilidade é um papo um pouco mais sério, porque precisa, antes de tudo, estabelecer que existem extremos. Existem aqueles que acreditam que a responsabilidade de tudo é sua, e aqueles que terceirizam completamente qualquer responsabilidade.

Na nossa organização política acabamos vendo muito dessa distorção, onde pessoas de direita acreditam que tudo depende apenas de si mesmo, numa visão quase patológica de auto responsabilização absoluta. E a esquerda, que sofre uma grave aversão da ideia de responsabilização pessoal, porque remove os holofotes de problemas estruturais e sistêmicos.

Mas existe um bom caminho do meio aí, onde podemos reconhecer que existem problemas externos no mundo, que problemas sociais existem e que causam impactos diretos na nossa vida são verdadeiros, mas que ainda entenda que no ponto de vista individual, a maior parte dos nossos problemas só vai se resolver por nós mesmos, quando decidimos que aquele problema é meu e que é minha responsabilidade resolvê-lo.

Aceitação da responsabilidade é entender que os problemas que temos na vida, pelo menos uma boa parte deles, não vão desaparecer sem que a gente os resolva.

Assumir responsabilidade é doloroso, e muitos de nós, para evitar a dor de sermos responsáveis, temos o reflexo de nos distanciar. Tudo é sempre culpa de alguém, outra pessoa, alguém que deveria ter feito algo que não fez, alguém que não ajudou e poderia ter ajudado.

Mas na prática, para os problemas da nossa própria vida, nós somos os maiores afetados.

Se eu cheguei atrasado e perdi prova, não importa que o ônibus demorou para passar. O tempo não vai voltar porque meu despertador não tocou e, muito menos, vou ser aprovado por uma piedade celestial simplesmente porque errei o local da prova e fui parar em outro bairro.

Independente de existirem eventos em ação e que não dependiam apenas de mim, a responsabilidade disso é minha, puramente porque o maior prejudicado também sou eu.

Eu poderia ter a disciplina de tentar chegar com muita antecedência para evitar atrasos do ônibus, porque eu sei que ônibus sempre atrasa. Eu poderia colocar 2 ou 3 despertadores em sequência, porque sei que pode acontecer algo e eu não acordar, e eu poderia ter consultado no mapa o local de prova antes de sair de casa.

Disciplina, é isso.

E aqui mora um meio termo importante. Isso não significa que não podemos ter empatia com quem cometeu esses erros e está sofrendo as consequências. É preciso se desvencilhar do jogo de ficar apontando na cara da pessoa que a culpa é só dela, e entender que mesmo sendo responsável, existe uma dor em curso. Reconhecer o sofrimento alheio não é errado e, ao contrário do que muitos imaginam, não é passar a mão na cabeça pelos erros.

Não é com outra pessoa tripudiando em cima dos seus erros que aprendemos, mas vivendo o próprio sofrimento que já está em acontecendo.

Por isso que falas do tipo: “é só fazer X” ou “era só ter feito Y”, não costumam ajudar. Porque na fase de sofrimento a pessoa já consegue reconhecer o que poderia ter sido feito diferente.

Infelizmente, só não entende ainda que a responsabilidade por fazer dar certo era puramente sua.

O processo de reconhecer a própria responsabilidade é muito mais longo e complicado.

Mas em resumo, M. Scott Peck destaca que:

Quando tentamos evitar responsabilidade pelo nosso próprio comportamento, fazemos isso tentando entregar essa responsabilidade para outro individuo, organização ou entidade.

Existe um leve sentido político que pode ser interpretado nessa frase, e que eu não gosto, mas como já abordamos as entrelinhas disso mais acima, você já deve ser capaz de entender o que estamos extraindo da citação.

O terceiro ponto que o psicanalista traz como parte da disciplina é a Dedicação à realidade.

Esse ponto é até bastante abordado no meu livro, como na ideia do conflito Mapa x Território, a explicação de que o mapa é apenas uma representação idealista da realidade, mas que o território, uma estrada por exemplo, apresenta muito mais detalhes e dificuldades do que um mapa nos permite reconhecer.

Uma grande fonte de sofrimento vem de criar uma idealização exagerada da realidade, mas se frustrar sempre que essa visão entra em choque com o mundo real.

Imagine que você tirou sua carteira de identidade aos 17 anos num posto policial do centro da cidade. Você sabe exatamente onde fica, mesmo nunca mais tendo passado por lá. Mas alguns anos depois você perde sua carteira e precisa tirar um documento novo. Pede folga para o seu chefe e dedica a tarde desse dia para ir ao posto policial no centro da cidade tirar uma segunda via.

Infelizmente, ao chegar lá, o local virou uma Americanas Express, não existe mais nada ali que possa resolver seu problema.

A frustração é grande. Seu mapa mental estava certo, como é possível o posto policial não ficar mais ali?

O que resta para você é reajustar seu mapa, descobrir para onde mudou o posto da polícia e nunca mais voltar ali esperando tirar a segunda via do seu documento.

Falando assim, fica bem fácil entender.

Mas é isso que a gente faz com ideias mais complexas, traçamos um mapa idealista e que em nada se parece com a realidade. E mesmo quando entra em choque com o mundo real, seguimos repetindo a mesma expectativa, entrando em novo conflito e esperando que na próxima tentativa funcione.

O mapa é falso, o território é verdadeiro.

Uma boa parte das conversas em consultórios de terapeutas se resume em pessoas explicando que o mundo não funciona exatamente como a mente idealiza. Seja em relacionamentos, seja na vida profissional ou em objetivos pessoais.

Não é porque algo deveria ser de um jeito, que no mundo real ele é.

A internet é um grande potencializador desse sentimento. Praticamente tudo o que vemos por aí são receitas mágicas para conquistar o que outras pessoas já alcançaram. Receitas para o corpo fitness, receita para o sucesso, receita para ficar rico. Um monte de gente copiando mapas completamente desatualizados, esperando que funcione no mundo real.

Mesmo que eu siga à risca o treino do Arnold Schwarzenegger, não vou conquistar o corpo que ele teve. Se eu sair para vender água no farol, não vou terminar palestrando em Harvard. Esses mapas, todos, são incompletos e muito distantes do mundo real.

Se eu sou casado com uma médica, eu não posso esperar que ela esteja em casa normalmente todos os dias e todas as noites. É um mapa que não condiz com o mundo real. Lutar contra isso é negar a realidade.

Peck, ainda no livro Road Less Travelled, diz que:

“Saúde mental é o constante processo de dedicação à realidade, a todo custo.”

E novamente, nada disso é fácil. Essas ideias que em nada se conectam com o mundo real são encantadoras, mas sempre acabamos nos frustrando e esquecendo de atualizar essa informação para não cair no mesmo erro.

É como se passássemos a vida inteira voltando ao posto policial, que já sabemos que não existe mais, para tentar tirar nosso documento.

Por fim, uma a última base da disciplina é o equilíbrio. Vou traduzir um trecho completo do livro, porque acho que expressa com precisão a importância da ferramenta que se faz o equilíbrio.

Deve estar se tornando claro que o exercício da disciplina é não apenas exigente, mas também uma tarefa complexa, exigindo tanto flexibilidade quanto julgamento.

Pessoas corajosas devem continuar se esforçando para se manterem completamente honestas, mas ainda devem possuir a capacidade de segurar parte da verdade quando for apropriado. Para sermos pessoas livres, devemos assumir total responsabilidade sobre nós mesmos, mas em fazer isso, rejeitar as responsabilidades que não são verdadeiramente nossas.

Para sermos organizados e eficientes, devemos constantemente adiar recompensas e manter os olhos no futuro, mas para ainda viver alegremente devemos ser capazes, quando não for destrutivo, de viver o presente e agir espontaneamente.

Em outras palavras, a própria disciplina deve ser disciplinada.

Equilíbrio é a disciplina que nos traz flexibilidade. Uma flexibilidade extraordinária é necessária para viver uma vida bem sucedida em todas as esferas de atividades.

Em resumo, adquirimos equilíbrio quando entendemos exatamente quando é o melhor momento para nos cobrar e para relaxar. Quando devemos insistir num objetivo ou quando podemos desfrutar da recompensa que viemos adiando.

Na prática, como se aplica isso?

Por mais que você possa pensar que “eu não sabia daquilo nessas palavras, mas já tinha uma noção”, existe um comportamento muito comum de acontecer quando estamos tentando aplicar disciplina de maneira prática.

Quando nos deparamos com algo muito tentador e difícil de resistir, começamos a negociar internamente para burlar as regras que nós mesmos criamos.

Saber exatamente cada um daqueles conceitos implica em desenvolver uma bagagem mental para quebrar seus próprios argumentos mais adiante.

Mas claro, lembrando que aquilo que você realmente quer é o beneficio maior do futuro, e não o prazer imediato que está distanciando você desse objetivo.

A gente conversa bem pouco sobre essa ideia de que nossos pensamentos costumam entrar em conflito, mas isso acontece o tempo todo.

E para mim essa é a base para conseguir sustentar uma disciplina de longo prazo.

Não dá para vencer essa negociação

Os primeiros dias de uma atividade física, por exemplo, são relativamente fáceis.

A empolgação bate forte e acaba sendo o suficiente para levantar da cama, trocar de roupa e enfrentar até os dias mais frios.

Mas essa energia acaba rapidamente.

Já no terceiro ou quarto dia, acordar vai ficando mais difícil. A cabeça começa a trabalhar diferente e, em vez de sair da cama, o primeiro pensamento que surge é: “e se eu dormir só mais um pouco?”.

Mais ainda, o pensamento se desenvolve para “acho que não vou agora, depois do trabalho eu vou.”

O dia passa, o trabalho acontece e você termina o expediente sem a menor intenção de cumprir o que planejou quando estava na cama.

“amanhã eu compenso.”

E assim morre mais uma tentativa de adotar uma atividade saudável.

Sempre que a motivação inicial passa, criamos uma linha argumentativa para nos convencer de não cumprir o que estabelecemos anteriormente.

O difícil nessa negociação, é que estamos tentando desesperadamente convencer a nós mesmos de uma ideia que também queremos acreditar.

As estratégias para lidar com esse tipo de negociação interna são simples, mas isso não significa que são fáceis de serem executadas.

O primeiro passo é tentar reconhecer quando essa barganha está acontecendo. Com o tempo isso fica mais fácil, mas tem vezes que a gente realmente finge que não está vendo.

A segunda é que, ao reconhecer que essa negociação interna está acontecendo, comece a agir. Esse talvez seja o ponto principal.

Quando identificar que está criando argumentos para não fazer algo naquele momento, sentir vontade de deixar para depois ou esperar alguma condição específica, comece a fazer.

Tente não dar tempo para desenvolver as ideias.

Simples? É.

Fácil? Nem tanto.

E é por isso que insistimos tanto em rotinas. Quando as ações estão encaixadas em horários específicos que se repetem com a mesma frequência, fica muito difícil argumentar para deixar de lado.

Rotina é a chave

Falar sobre rotina é uma das coisas mais chatas que tem.

Muita gente torce o nariz, principalmente porque traz a sensação de uma vida sem emoções, meio robotizada.

Quem não cresceu repetindo “odeio rotina”, na intenção transmitir que possui uma personalidade forte e que busca grandes emoções?

Mas uma boa rotina não tem nada a ver com deixar as emoções e a espontaneidade de lado. Na verdade, uma rotina bem definida é o que permite que esses momentos de fato aconteçam.

A ideia central em estabelecer uma boa rotina é remover a quantidade de energia investida para realizar uma atividade, permitindo que você se dedique com mais intensidade aos outros momentos da vida.

Essa é a chave.

Tudo o que fazemos ao longo do dia consome parte da nossa energia. Estou usando a palavra energia deliberadamente, mas o que quero dizer é energia física e mental, que vou simplificar como disposição.

Nossa disposição é limitada. Uma pessoa acorda — mais ou menos — disposta e ao longo do dia vai se desgastando com atividades e obrigações sociais.

Para quem trabalha sem interagir com pessoas, uma reunião tensa e de longa duração pode ser extremamente cansativa. Mas para quem faz 5 reuniões ao dia faz alguns anos, o cansaço já está minimizado pelo costume.

Nosso corpo é extremamente inteligente na gestão de recursos. Quando começamos a correr, nosso batimento cardíaco se eleva bastante e gastamos muito oxigênio. Quem é sedentário e resolve correr por 5 minutos que seja, sabe exatamente como é a sensação de ficar sem fôlego e com o coração acelerado.

No entanto, quando passamos do período inicial e a atividade se torna mais frequente, o corpo é capaz de controlar melhor o coração e utilizar o oxigênio com mais eficiência. Essa relação é tão forte que a compensação de recursos continua mesmo quando não estamos em atividade.

O coração de um corredor bem treinado, mas em repouso, pode ser de 35 a 50 batimentos por minuto, enquanto uma pessoa sedentária tem mais ou menos uma frequência cardíaca de 70 a 80 batimentos por minuto.

Apesar de não gostar de comparar o corpo com uma máquina, aqui faz sentido pensar no corpo como uma grande máquina de otimizar recursos, de acordo com o que consegue prever de necessidade.

Quando o corpo entende que precisa utilizar um recurso com uma certa frequência, ele se ajusta para explorar melhor o consumo de energia. De forma parecida funciona a ingestão de alimentos, quando o corpo recebe sempre uma quantidade parecida nos mesmos horários todos os dias, ele é capaz de gerenciar melhor os nutrientes.

Agora trazendo para um campo mais amplo, desenvolver uma rotina tem mais ou menos o mesmo impacto.

Quando acordamos na mesma hora, nos exercitamos, trabalhamos e descansamos dentro da mesma faixa de horário, com o tempo essas atividades passam a nos desgastar menos. É preciso menos disposição e preparo para seguir em frente e concluir essas atividades.

Por isso que normalmente quando deixamos para fazer uma atividade “quando der”, o resultado acaba sendo não fazer.

Organizar uma rotina é remover uma quantidade enorme de desgaste que sofremos ao precisar nos adaptar o tempo todo, permitindo ter disposição para nos aprofundar no que realmente queremos.

Um tijolinho de cada vez

A maior parte das vezes tentamos iniciar muitas coisas ao mesmo tempo.

Queremos começar a fazer exercícios, dieta, meditação, leitura, projetos paralelos, tudo ao mesmo tempo.

A maioria das listas de resoluções de ano novo seguem esses exemplos. Inúmeras atividades super desgastantes exigindo do pouco de disposição que sobra do nosso dia.

Não existe dúvida de que ao primeiro sinal de um problema no meio do dia, essas atividades vão descarrilhar em sequência e nada disso será concluído.

Esse é o mais comum.

É extremamente subestimada a ideia de que devemos tentar uma coisa nova por vez e nos manter consistentes por um período relativamente longo, até que nos tornemos habituados e seja interessante adicionar novas atividades.

A ideia de que não podemos abraçar o mundo todo de uma só vez é válida aqui.

Neste ponto, lembre-se do ponto anterior: disposição é limitada e quando estamos muito cansados e desgastados é difícil seguir em frente. Assim como atividades fora da rotina são desgastantes, muitas atividades novas também geram desgaste.

Seja estudar, exercícios, alimentação ou um projeto pessoal, escolha apenas um ponto e tente se manter por um período mais longo.

Acostume-se com a falha

Por mais que você esteja com toda disposição para seguir uma atividade de forma bem disciplinada, construindo uma rotina e fazendo uma coisa de cada vez, em algum momento o cansaço será grande demais para conseguir sustentar essa força de vontade.

E aqui é onde mora o ponto mais importante de tudo.

Quando isso acontecer, seja por qual motivo for, a única coisa que importa é retomar no dia seguinte.

Aqui é onde morre a maior parte das tentativas.

Quando a inevitável falha chega e, em vez de nos reconhecer como seres humanos com capacidades limitadas, achamos que as coisas só valem a pena se forem perfeitas.

É neste ponto que decidimos, por conta própria, que não vamos mais conseguir e abandonamos tudo de vez.

Imagine se nos anos escolares a gente abandonasse a escola definitivamente todas as vezes que tirássemos uma nota ruim, achando que agora não dava mais? A maioria de nós não desistiu apenas porque nossos pais nos obrigaram a estudar.

Entre trancos e barrancos, a maioria acabou terminando.

O exemplo da escola é interessante porque nos ajuda a enxergar que podemos ser alunos nota 10, mas e também que podemos ser um 6, um 7, e muitas vezes podemos ser 3 que se recuperou para um 8.

Não existem apenas as notas 0 ou 10.

As nossas iniciativas também deveriam ser vistas assim. Que independente de um resultado ruim hoje, podemos ter um resultado bacana amanhã, mesmo que não seja o ideal perfeito.

O importante quando algo der errado é respirar fundo e retomar no dia seguinte. E com esse erro podemos entender onde estamos falhando, qual foi o acontecimento que nos desgastou a ponto de não conseguimos cumprir o que gostaríamos.

Isso nos leva ao próximo passo:

Reconheça seus limites

Aqui é onde mora boa parte da estranheza que as outras pessoas costumam sentir sobre a disciplina alheia.

Quando a gente passa pelo processo anterior de identificar onde falhamos e tentar evitar que esses erros se repitam, ou pelo menos aconteçam com uma frequência menor e mais controlada, começamos a entender alguns limites psicológicos que podemos adotar para nos proteger.

E quando uso proteger aqui, precisamos de novo lembrar que toda a ideia é nos manter próximo dos nossos objetivos verdadeiros de longo prazo, trocando a tentação da recompensa imediata por uma recompensa ainda maior no futuro.

Eu faço questão de repetir isso o tempo todo, porque como comentei mais acima, é o entendimento destes conceitos que nos ajuda a seguir em frente.

Neste domingo passei por um vídeo no Tiktok que exemplifica muito bem o que quero dizer.

No vídeo, Leo Stronda está conversando com o fisiculturista Caike e oferece alguns chips de batata doce para o atleta, que evita comer e se nega até a experimentar.

No curto diálogo, Leo insiste para o Atleta comer, mas o fisiculturista explica que entende que apenas provar não vai fazer diferença para o corpo, mas que faz diferença no psicológico.

É claro que neste caso estamos falando de um atleta profissional que ganha sua vida escolhendo exatamente o que come, mas a lição aqui é que muitas vezes algo não traz reflexos negativos imediatos ao objetivo, mas afeta a perspectiva como reagimos aos impulsos dali em diante, e isso sim impacta no resultado.

O maior problema é que muitas vezes a gente começa com a ideia de “só um pouquinho não vai fazer mal”, e realmente não faria, mas a linha entre o “um pouco não faz mal” e “ah, agora já era” pode ser bem estreita.

Na alimentação é o mais fácil de sentir esse impulso, mas também é verdadeiro em praticamente tudo que exige um pouco de força de vontade para se manter consistente.

Eu percebi, por exemplo, que as chances de faltar academia aumentam quase 90% se eu não for no mesmo horário todos os dias.

Quando acordo e perco a negociação comigo mesmo, pensando em ir no período da tarde, acabo ficando cansado ou arrumando alguma desculpa para não ir.

Eventualmente até consigo, mas hoje em dia prefiro nem correr o risco.

Quem curte fazer umas compras também sabe que depois que assumiu a iniciativa de comprar algo mais barato, justificar gastar um pouco maior é muito simples. E quem está tentando se manter firme nos estudos, entende que só mais um episódio da série pode virar uma tarde inteira maratonando temporadas.

Este é o ponto central aqui, saber que muitas vezes a ação simples não é prejudicial, mas que ela pode desencadear uma série de comportamentos que vão prejudicar.

É aqui que na maioria das vezes as pessoas mais disciplinadas parecem radicais, porque evitam comportamentos pequenos aos olhos alheios, mas que só a própria pessoa sabe onde vai parar quando começar.

Num exemplo mais extremo, é por isso que alcóolatras não bebem moderadamente ou dão “só um golinho”, porque todo alcóolatra em recuperação que acaba voltando ao vício começa com a mesma ideia de “só um copo não vai fazer mal”.

Existe muito pouco o que eu poderia dizer sobre o assunto a partir desse ponto, que não seja para:

  • Internalizar de verdade a ideia de tentar, falhar e tentar de novo.
  • Evitar a todo ponto sucumbir ao “agora já era mesmo”.
  • Lembrar que sempre existe o outro dia. Nunca é “já era mesmo”, ao menos que você realmente tenha mudado de objetivo.

Pensando de uma maneira bem mais objetiva, se você estiver tentando estudar, falhar três dias e estudar 4, ainda é melhor do que não estudar nenhum.

As tentativas possuem seu ponto positivo mesmo que a gente siga deslizando com certa frequência.

Da mesma forma que um dia ruim nos dá vontade de abandonar tudo, dias bons nos fazem querer seguir em frente.

É nisso que a gente precisa se apoiar.

Este texto foi publicado originalmente na newsletter Alt+Tab, do Startup da Real, e passou por uma edição para ser republicado aqui no Medium.A newsletter onde o texto foi publicado é exclusiva para apoiadores e pode ser assinada através deste link.

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